20:45. Lá fora, o vento gelado grita. Posso ouvir daqui. Estrelas convidativas refletem nos atentos olhos das crianças deitadas no jardim. O mesmo riso que as envolve, as protege do frio. Subitamente, me lanço em direção ao meu casaco falsamente dobrado no sofá e o convoco para uma caminhada.
Cada passo parece mais profundo. Piso em pedras de sonhos e respiro o ar de certezas. Acho mais uma peça do jogo chamado Sentido da Vida em um casal de idosos que passa de mãos dadas. O bar com cheiro de mofo e mágoas hoje toca "Something" dos Beatles. O olhar de um solitário homem revela que George Harrison compôs mais do que uma simples canção. Uma garrafa vazia enfeita a sua mesa. No copo, ele toma o último gole do conteúdo chamado esquecimento. E eu, o último gole da noite.
De volta, as crianças permanecem no jardim. Suas vozes, agora elevadas, anunciam um acontecimento especial. Fui surpreendida. "Você viu aquela estrela cadente? Faça um pedido!" perguntou-me uma delas com um sorriso afável. "Não vi, que pena." respondi. "Não tem problema, faça um pedido mesmo assim!" rebateu. Sorri e entrei. Bobagem.
Coloquei novamente o meu casaco no sofá, agora nem mesmo falsamente dobrado. No quarto, a Lua iluminava metade da minha cama, sendo o suficiente para eu me ajeitar. Deitei. Na bagunça dos pensamentos noturnos, o apelo da criança me veio à cabeça. Involuntariamente, pensei. E com força. "Queria que você estivesse aqui."